NA VIGÍLIA QUE ENGENDRO NESSAS FOLHAS
Faz tanto tempo, faz um século, faz sol, faz um verão. Na vigília que engendro nessas folhas há galerias subterrâneas e encontro a cada passo um sonhador que acredita na saída desse túnel. Fantasmas do meu quarto, sombras que todas as noites assistem ao acender das estrelas desse túnel. Cárcere dourado onde prendi meus dentes, a língua estranha e até mesmo um transatlântico de papel. Lições de continentes, luz desvelada entre musgos de um minúsculo jardim, folhas feito céu por sobre a minha cabeça.
E este furor que me impele para as Índias sem soltar a âncora que me prende os pés à casa. Fantástico navegar por entre mangueiras neste verão que só eu vejo anunciado por luas tão perfeitas. Mas não tenho cântaro e o caminho da fonte está perdido. Sobram as asas que não se abrem nessa queda.
Maria Lúcia Medeiros,
Do livro "Quarto de Hora"