MENTIRAS E VERDADES NO MESMO CHÃO
Não me negues a palavra. Pelas artes de uma palavra segui sozinho ouvindo o grito de outros companheiros a percorrer outro caminho. Naquele tempo, senhora, os pântanos me atraíam e os arrepios do meu corpo aumentavam à visão dos esverdeados, meu corpo fremia. Não me negues a palavra. Pelas artes de uma palavra abri picada diferente que não me levava ao bosque. Ouvia meus companheiros rirem e chorarem fascinados com as veredas, os frutos quase ao alcance das mãos. O meu caminho, senhora, tinha reverberações encantatórias, mentiras e verdades no mesmo chão e o veneno das folhas eu só podia descobrir pelo exercício de meu paladar e do meu corpo. Poderá algum coração, senhora, saber das tantas vezes que estive à beira da morte pelas ânsias de saciar o meu desejo?
Enquanto meus companheiros avançavam em rodopios e encantamentos, eu vencia distâncias tão pequenas que me parecia estar sempre no mesmo lugar.
Não me negues a palavra de cujas artes se nutriu tanto exílio pois se assim o fizeres estarás negando a permissão e as promessas. Não é esse o silêncio de que preciso para atravessar a floresta. Imposto o sossego me faltarão os sons articulados, os ruídos para que não percamos a memória. Não me negues a palavra para que a trilha não se altere nem as perspectivas sejam removidas.
Maria Lúcia Medeiros